domingo, 15 de junho de 2008


Historicamente, a violência sexual na Guatemala tem sido e continua a ser encarada como um tema tabu ou um tema do foro privado, uma vez que falar abertamente de agressão sexual acarreta pressão e exclusão social.[1] Lamentavelmente, em muitos casos, a violência, seja de que tipo for, não é sequer questionada. O uso da violência e o abuso de poder de uma pessoa sobre outra está histórica, social, cultural e institucionalmente enraizado sendo, por isso, uma realidade aceite e não sendo um problema prioritário a ser combatido por parte dos governantes e da sociedade em geral.

Focando o caso da Guatemala, é possível afirmar que “a violência contra as mulheres – especificamente, os delitos sexuais e as mortes violentas – está estreitamente vinculada com padrões de pensamento histórico e sócio-culturais muito enraizados.”[2] Deste modo, para ser possível compreender a violência contra as mulheres Guatemaltecas “é necessário ter presente que esta [violência] existe porque as estruturas de poder, lideradas pelas igrejas e pela elite económica definiram as razões pelas quais deve realizar-se e o método, e tendo permitido o seu exercício. Assim sendo, as diferentes expressões dessa violência têm vindo a reproduzir-se e a inovar-se através dos diferentes tempos, governos e sociedades e muitas delas foram recolhidas e reforçadas pelo próprio Estado através de leis, políticas e práticas.”[3]

Devido a tal enraizamento e aceitação, muitas mulheres não têm sequer consciência que são vítimas de uma agressão que denigre a sua identidade e dignidade, uma vez que a violência física, psicológica e sexual é interpretada como algo natural. Na Guatemala, esta realidade é reforçada pela postura adoptada pela Policia Nacional Civil (PNC) e pelo Ministério Publico (MP) que não indagam nem investigam de forma detalhada nem apropriada os casos de mortes violentas de mulheres se considerarem que o motivo foi passional.[4] O uso deste tipo de alegação permite que os crimes “não sejam muitas vezes investigados e que fiquem impunes, promovendo, desta forma, o carácter de normalidade atribuído à violência contra as mulheres”.[5]

Adicionalmente, é bastante relevante mencionar que imperam “fortes elementos sexistas no tratamento das vítimas de delitos sexuais por parte dos funcionários judiciais e que estas praticas discriminatórias implicam uma segunda vitimação para a vítima e severas falhas na persecução penal. As experiências negativas resultantes do encontro com as autoridades do sistema de justiça agravam a sua dor e as sequelas causadas pela agressão sexual”.[6]

Neste sentido, é premente a implementação de instrumentos eficazes e sensíveis de combate a esta realidade e aplicar profundas reformas no sistema de justiça Guatemalteco vigente, uma vez que “a persecução penal na Guatemala tem actualmente múltiplas limitações, o que se demonstra através da impunidade em delitos contra a vida e delitos sexuais que se apresentam acima dos 97%”.[7]

Em pleno século XXI considero revoltante que se viva num estado de negação face a tão atroz realidade. Seja na Guatemala, em Portugal, ou em qualquer outro país, a violência física, sexual, psicológica é um facto, existe; e é uma ocorrência humilhantemente ocultada e/ou negada e muitas vezes sem punição. Em muitas sociedades é uma realidade vergonhosamente natural e aceite. O que é que se passa? Quanto mais sofrimento é preciso existir para vermos esta realidade e para ouvirmos as vozes que gritam em surdina por ajuda?


Encontrei estes vídeos no YouTube que retratam, por meio de imagens, uma simbólica parte das palavras aqui escritas:
- http://br.youtube.com/watch?v=sh3tQk7RCxk
- http://br.youtube.com/watch?v=C49nSozDZFM

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[1] Svendsen, Kristin. (2007), Por ser mujer - Limitante del sistema de justicia ante muertes violentas de mujeres y víctimas de delitos sexuales, p.4. (tradução própria).
[2] Ibid., p.5.
[3] Ibid.
[4] Op. Cit.
[5] Ibid.
[6] Ibid., p.268 .
[7] Ibid., p.270.

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